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Jornalistas negros desafiam abordagens racistas da mídia tradicional

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Durante o século 19, uma parte da população negra entendeu que a imprensa poderia ser uma ferramenta de luta contra a discriminação racial. Foram criados canais específicos para comunicar lutas e demandas da época. Quase dois séculos depois, faz sentido continuar existindo uma imprensa negra? O número expressivo de veículos que atualmente se identificam e se apresentam a partir dessa categoria são respostas contundentes à pergunta.

Comunicadores negros têm reivindicado cada vez mais um lugar de protagonismo e reforçado a necessidade de abordar os problemas sociais do país a partir das estruturas raciais que os sustentam. A imprensa tradicional é criticada por não responder satisfatoriamente a essas demandas. Do ponto de vista do conteúdo, pessoas brancas e negras são tratadas de formas diferentes nas matérias. Quando se analisam os sujeitos que produzem as informações, profissionais negros ainda são minoria nas redações. E, quando estão lá, raramente ocupam postos de decisão.

Exemplos da imprensa negra no século 21 não faltam, como o Portal Geledés, o História Preta, o Afropress, o Atlântico Negro, a Revista Afirmativa, o Nossos passos vêm de longe e a Cultne.TV. Para entender um pouco da perspectiva e dos objetivos dessas mídias mais recentes, a Agência Brasil entrevistou os fundadores de dois sites, criados há menos de dez anos, engajados em uma comunicação antirracista: o Alma Preta e o Notícia Preta.

O primeiro surgiu em 2015, a partir de um coletivo de estudantes negros da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e é comandado pelo jornalista Pedro Borges. O segundo foi lançado em 2018 pela jornalista Thais Bernardes. Ela já tinha experiência em outras empresas de mídia tradicionais e decidiu investir em um projeto editorial de combate às desigualdades.

Nesta quinta-feira (14), comemoram-se os 190 anos do primeiro jornal da imprensa negra no Brasil: O Mulato ou O Homem de Côr, criado no dia 14 de setembro de 1833.

Imprensa negra x imprensa branca

Existem diferenças bem demarcadas entre a imprensa negra e as mídias tidas como mais generalistas? Para o cofundador e diretor do Alma Preta, Pedro Borges, a discussão parte dos próprios princípios de segmentação e universalidade.

“Quando é preto, é considerado segmentado. Mas quem disse que a grande mídia é universal e não é segmentada? É muito pouco enquadrar veículos como o nosso em uma categoria de jornalismo de nicho. Nós utilizamos as mesmas técnicas jornalísticas que outros colegas de profissão. Mas o sujeito branco e masculino se vê no lugar da universalidade. E identifica o outro com um sujeito racializado e segmentado. Esses grandes canais de comunicação privilegiam o diálogo com uma classe média e com uma elite branca. Então, eles não são segmentados?”, questiona Pedro. 

A diferença, nesse sentido, não estaria na escolha dos temas e acontecimentos a serem cobertos pelos jornalistas, mas na perspectiva que se adota em relação a eles. Borges enfatiza que o Alma Preta tem um olhar de destaque para grupos de periferias e o desejo de comunicar para transformar a realidade.

“Entendo que a mídia negra hoje também tem reivindicado um lugar de universalidade. A nossa cobertura está longe de ser recortada em casos de discriminação racial. Fazemos uma cobertura de agendas que são centrais do Brasil. E o racismo é um elemento que estrutura a sociedade brasileira. Desigualdade de moradia, saúde, segurança pública, alimentação, ambiental: todas elas têm como pano de fundo a desigualdade racial. Logo, cabe à imprensa negra cobrir todos esses assuntos”, diz Pedro Borges.

A notícia e o negro

Segundo Thais Bernardes, diretora e fundadora do Notícia Preta, a mídia tradicional sempre esteve alinhada aos interesses de uma elite política e econômica branca. Por isso, reforça e dissemina o racismo ao cobrir os fatos do dia a dia, principalmente quando sujeitos negros estão no foco da notícia.

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“Historicamente, em que lugar aparecia o negro no jornal do século 19? Ele estava no lugar do ‘procura-se negro fujão’ ou ‘vende-se uma escrava’. Hoje esse lugar é o da editoria geral. O que mudou sobre os nossos corpos sendo vendidos no início do século 19 e os nossos corpos desumanizados nos anos atuais? Se você acessar os jornais, as pessoas estão ali como pessoas à margem da sociedade. Existe capa de jornal nos anos 2000 com pessoas negras amarradas em poste”, diz Thais Bernardes.

190 anos da imprensa negra: luta antirracista liga passado e presente. Foto: Notícia Preta 190 anos da imprensa negra: luta antirracista liga passado e presente. Foto: Notícia Preta

 Para Thais Bernardes, a mídia tradicional reforça o racismo na cobertura de fatos do dia a dia – Notícia Preta

“Quando há uma operação dentro de uma favela, a mídia tradicional sempre vai começar com ‘segundo a polícia, essa operação foi feita para combater tal coisa’. Ela vai partir sempre do lado institucional. Nós partimos do lado do morador. De quem é atingido por aquilo. Podemos falar das consequências da operação policial: das crianças que ficaram sem aula e dos postos de saúde fechados. Fazer um jornalismo antirracista é entender para quem estamos falando, é fazer uma comunicação não violenta. Isso é que define o lead, a parte principal da notícia”, complementa Thais.

Mercado de trabalho

Movimentos recentes passam a impressão de que mais empresas de comunicação têm se preocupado em responder às demandas sociais por maior diversidade racial em seus quadros. Seja por meio de processos seletivos para a contratação de pessoas negras ou, no caso de meios que trabalham com vídeo, colocar mais rostos negros nas telas. Mas, para Thais e Pedro, essas ações ainda são insuficientes.

“Eu não quero representatividade. Eu quero equidade. Porque a representatividade significa ter uma pessoa ali e, pronto, o grupo todo está representado? Será que há pessoas negras entre diretores e editores? Ou elas ficam apenas na reportagem e na frente da televisão? O que mudamos na estrutura se não ocuparmos lugares de poder e tomada de decisão? Enquanto isso não acontecer, a gente tem aí a síndrome do preto único, que justifica um discurso de que a empresa é diversa”, analisa Thais.

Canais de imprensa voltados para a produção de conteúdos antirracistas acabam sendo espaços mais receptivos para os profissionais negros e permitem que eles ocupem outras posições para além da subalternidade.

“Temos uma necessidade objetiva e cotidiana no Brasil de a população negra se organizar para ter um espaço em que possa falar e ser ouvida. Até os dias de hoje, a gente pode identificar uma gigantesca discrepância racial nas redações brasileiras. Ainda temos uma imprensa brasileira que, no corpo geral, é majoritariamente branca. E na direção, é mais raro ainda encontrar alguém negro. Isso acontece em casos excepcionais. Os únicos locais onde isso acontece com frequência são os canais da mídia negra”, diz Pedro Borges.

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Manual de jornalismo antirracista

No início de agosto, o Alma Preta lançou um manual de redação antirracista. Ele traz um conjunto de princípios que devem nortear o trabalho jornalístico, a partir das experiências editorias do portal. A ideia é que ele seja lido e sirva de reflexão para comunicadores em geral, independentemente de estarem ligados aos veículos da imprensa negra.

“Em uma cobertura, você tem uma diversidade de pontos, de olhares, de palcos. É preciso respeitar as pessoas que foram vitimadas em determinados processos. Seja desde uma pessoa que foi alvo de uma ação policial, alguém despachado por uma reintegração de posse, ou vítima de grilagem e violência. Muitas vezes o jornalismo se limita a ouvir a fonte oficial e, quando escuta outras pessoas, vira uma nota de rodapé. Nosso trabalho não pode ser um release de segurança pública. Precisamos ouvir e checar todos os lados da história”, diz Pedro Borges.

Escola de Comunicação Antirracista

No fim de agosto, o Notícia Preta lançou a Escola de Comunicação Antirracista, com o objetivo de ir além da divulgação de notícias. A proposta é combater o racismo também por meio da educação. O público-alvo são os comunicadores que desejam conhecer ou aprofundar um trabalho antirracista. Entre os cursos oferecidos, destaque para Assessoria de Imprensa, Semiótica e Racismo, e História da Imprensa Negra no Brasil. A escola oferece cursos no formato online, mas também tem opções profissionalizantes presenciais, por meio de uma parceria com o Senac Rio. 

“Não tem outra forma de você ser uma pessoa antirracista que não seja aprendendo e estudando. Criamos essa escola para que todos possam ter acesso a esse conhecimento. Sejam jornalistas ou outras pessoas interessadas em aprender”, disse Thais.

“O jornalismo é uma ferramenta de educação e de transformação social. Quando uma pessoa lê uma matéria, está aprendendo algo. E ser um jornalista antirracista não é só ser negro. Todo mundo deve ser antirracista.”

Legados e continuidades

Durante os estudos no Brasil e na Europa, Thais não teve aulas sobre imprensa negra nos cursos de jornalismo. Ela defende que é fundamental resgatar essa história e apresentá-la para os que trabalham hoje com comunicação. Nesse sentido, conhecer mais dos 190 anos de lutas e iniciativas da imprensa negra ajuda a situar o próprio presente. A profissão ganha contornos e missões ainda maiores. 

“É fundamental para o comunicador entender que os nossos passos vêm de longe. Às vezes, as pessoas me dizem que o meu trabalho é pioneiro. Não! O jornalismo que eu faço é o jornalismo do Homem de Cor, do Mulato, do Abdias Nascimento, que fez comunicação antirracista há muito tempo. O que eu faço é uma continuidade do que os meus antepassados fizeram. E espero honrar minimamente esse caminho que eles traçaram para gente poder estar aqui”, reflete Thais Bernardes. 

Fonte: EBC GERAL

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Prefeitura de SP constrói muro na Cracolândia para isolar área de usuários de drogas

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A Prefeitura de São Paulo ergueu um muro na Cracolândia, localizada no Centro da cidade, com cerca de 40 metros de extensão e 2,5 metros de altura, delimitando a área onde usuários de drogas se concentram. A estrutura foi construída na Rua General Couto Magalhães, próxima à Estação da Luz, complementada por gradis que cercam o entorno, formando um perímetro delimitado na Rua dos Protestantes, que se estende até a Rua dos Gusmões.

Segundo a administração municipal, o objetivo é garantir mais segurança às equipes de saúde e assistência social, melhorar o trânsito de veículos na região e aprimorar o atendimento aos usuários. Dados da Prefeitura indicam que, entre janeiro e dezembro de 2024, houve uma redução média de 73,14% no número de pessoas na área.

Críticas e denúncias

No entanto, a medida enfrenta críticas. Roberta Costa, representante do coletivo Craco Resiste, classifica a iniciativa como uma tentativa de “esconder” a Cracolândia dos olhos da cidade, comparando o local a um “campo de concentração”. Ela aponta que o muro limita a mobilidade dos usuários e dificulta a atuação de movimentos sociais que tentam oferecer apoio.

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“O muro não só encarcerou os usuários, mas também impediu iniciativas humanitárias. No Natal, por exemplo, fomos barrados ao tentar distribuir alimentos e arte”, afirma Roberta.

A ativista também denuncia a revista compulsória para entrada no espaço e relata o uso de spray de pimenta por agentes de segurança para manter as pessoas dentro do perímetro.

Impacto na cidade

Embora a concentração de pessoas na Cracolândia tenha diminuído, o número total de dependentes químicos não foi reduzido, como destaca Quirino Cordeiro, diretor do Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas. Ele afirma que, em outras regiões, como a Avenida Jornalista Roberto Marinho (Zona Sul) e a Rua Doutor Avelino Chaves (Zona Oeste), surgiram novas aglomerações.

Custos e processo de construção

O muro foi construído pela empresa Kagimasua Construções Ltda., contratada após processo licitatório em fevereiro de 2024. A obra teve custo total de R$ 95 mil, incluindo demolição de estruturas existentes, remoção de entulho e construção da nova estrutura. A Prefeitura argumenta que o contrato seguiu todas as normas legais.

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Notas da Prefeitura

Em nota, a administração municipal justificou a construção do muro como substituição de um antigo tapume, visando à segurança de moradores, trabalhadores e transeuntes. Além disso, ressaltou os esforços para oferecer encaminhamentos e atendimentos sociais na área.

A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) reforçou que a Guarda Civil Metropolitana (GCM) atua na área com patrulhamento preventivo e apoio às equipes de saúde e assistência, investigando denúncias de condutas inadequadas.

A questão da Cracolândia permanece um desafio histórico para São Paulo, com soluções que, muitas vezes, dividem opiniões entre autoridades, moradores e ativistas.

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