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Volkswagen deixa negociação em caso de trabalho escravo
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Um trabalhador amarrado sendo carregado pelo empreiteiro de uma fazenda: “Ele tinha fugido”, explicou. Esta cena, certamente, remonta aos anos da escravidão com as perseguições dos capitães do mato. O fato, no entanto, ocorreu na década de 1980 em uma propriedade da montadora alemã Volkswagen, em Santana do Araguaia, no estado do Pará. Este é um dos relatos reunidos pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que busca reparação de R$ 165 milhões para o crime de trabalho análogo à escravidão nesta fazenda. A empresa deixou a mesa de negociação em 29 de março e, agora, o caso deve parar na Justiça.
A exploração de trabalhadores ocorreu entre as décadas de 1970 e 80, na Fazenda Vale do Rio Cristalino, localizada no Pará, que tinha cerca de 140 mil hectares, o equivalente à área da cidade de São Paulo. A negociação envolvia o pagamento de R$ 165 milhões em indenizações a 14 trabalhadores identificados como vítimas, às centenas de outros escravizados que teriam que ser localizados para serem indenizados e às famílias daqueles que foram assassinados segundo relato dos trabalhadores.
O procurador do trabalho responsável pelo caso, Rafael Garcia, disse em entrevista à Agência Brasil que o MPT pretende ajuizar ação e auxiliar os organismos que querem levar o caso às instâncias internacionais. Ao todo, foram quatro reuniões de negociação, iniciada no ano passado.
Segundo depoimentos, trabalhadores viviam no local em situação degradante de trabalho, submetidos à violência e a violações de direitos humanos. As investigações demonstraram que tais violações incluíam falta de tratamento médico nos casos de malária, impedimento de saída da fazenda em razão de vigilância armada ou de dívidas contraídas – o que caracterizaria servidão por dívidas –, alojamentos em locais insalubres, sem acesso à água potável e com alimentação precária.
Em 2019, o padre Ricardo Rezende, que foi integrou a Comissão Pastoral da Terra (CPT) na região sul do Pará na época dos fatos e recebeu as denúncias, entregou documentação ao MPT sobre as violações ocorridas dentro da fazenda. Com isso em mãos, o órgão criou um grupo de trabalho e passou a investigar o caso.
“Conseguimos levantar vários documentos e depoimentos de trabalhadores da época que foram escravizados e que comprovam que durante a década de 70 e 80, naquela fazenda, conhecida como fazenda Volkswagen, na atividade de desmate e da constituição de pasto foram utilizados centenas de trabalhadores, todos eles numa condição semelhante à de escravos”, disse o procurador. Ele ressaltou que a fazenda foi dada à Volkswagen pela ditadura militar e que foi desmatada ali uma área correspondente ao município de São Bernardo do Campo.
O MPT conseguiu acesso a ações judiciais, inquéritos policiais e certidões e depoimentos prestados em cartório que comprovam a ocorrência dos fatos denunciados. “Existe uma ação judicial cujos depoimentos dos trabalhadores prestados à época deixam clara a condição análoga a de escravos que eles viviam e que a época não foi prosseguida porque vivíamos a ditadura militar, as denúncias não foram não foram devidamente apuradas”, disse Garcia.
Para as atividades na fazenda, a empresa contratava os empreiteiros, também conhecidos como “gatos”, que eram agenciadores de mão de obra de trabalhadores de regiões muito pobres, que eram aliciados com falsas promessas, levados até a fazenda e lá descobriam que teriam que pagar pela alimentação, pelo transporte, pelo material que utilizariam no trabalho, e eram obrigados a comprar tudo isso na venda do próprio aliciador e não poderiam sair sem pagar suas dívidas.
“Isso tudo sob vigilância armada de pistoleiros, submetidos a tortura física e psicológica porque dormiam ao relento em barracões improvisados sem qualquer tipo de assistência médica e muitos adoeciam de malária. Os trabalhadores contam que as tentativas de fuga eram castigadas por esses pistoleiros, inclusive que trabalhadores foram mortos, segundo relatos dos trabalhadores, dentro da fazenda”, relatou o procurador.
Garcia avalia que, além da compensação às vítimas diretas das violações, a empresa deve reparação à sociedade, já que recebeu incentivos fiscais do poder público na época, totalizando R$ 700 milhões em valores atuais, para gerir seu negócio de criação de gado que provocou danos sociais profundos. Na proposta do MPT, o valor da indenização seria destinado à reparação dos trabalhadores vitimados já identificados e para a criação de um programa de levantamento histórico, identificação e busca de outros trabalhadores que também foram submetidos ao mesmo tratamento naquela fazenda.
“[Na atuação da empresa] ocorrer gravíssimas violações de direitos humanos, deixando marcas não só individualmente nas pessoas, mas também naquela própria sociedade que se insere, em uma região paupérrima, ela contribuiu para manutenção das condições sociais miseráveis e vulneráveis de trabalhadores e da própria região. Diante da dimensão e da gravidade do caso, há necessidade de a empresa compensar não só os trabalhadores, mas também a sociedade brasileira que foi agredida por conta da sua conduta.”
Denúncia na época
Ricardo Rezende, que também é professor e coordena o Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chegou a relatar as violações, no ano de 1983, em uma denúncia pública à imprensa ao lado de um dos trabalhadores explorados.
“No dia seguinte, abrimos os jornais, o Jornal do Brasil não tinha publicado nada, Correio Brasiliense nada, Folha de São Paulo nada, Estadão nada, a imprensa tinha feito silêncio, salvo o jornal O Globo que tinha dado uma pequena notícia na parte interna, que teve uma repercussão internacional imediata”, contou. Ele começou a receber denúncias por conta de sua atuação na Pastoral da Terra na região.
Após desdobramentos dessa repercussão internacional, a empresa teria convidado parlamentares para uma visita à fazenda, a fim de demonstrar que as denúncias não procediam. Foi nesta visita que a comitiva – composta por três parlamentares, um repórter e um fotógrafo do Estadão – se deparou com um dos empreiteiros carregando um trabalhador amarrado para dentro da fazenda após tentativa de fuga. Rezende também participou da visitação.
“Quando nós, dentro da fazenda, constatamos diversos problemas e tínhamos então mais elementos, porque comprovava os crimes cometidos pela Vale do Rio Cristalino, o senhor [Frederico] Brügger [que gerenciava o local] gritou comigo e me desafiou ‘me dê o nome de uma fazenda que faça diferente’”, contou Rezende, que respondeu que todos que cometiam esse crime estavam errados e que ninguém tinha direito de utilizar mão de obra escrava.
Colaboração com a ditadura
O presidente da Volkswagen Região América do Sul e Brasil, Pablo Di Si, admitiu em 2017 que havia pessoas, dentro da empresa, que colaboravam com o regime militar (1964-1985). “Nós reconhecemos o que aconteceu na ditadura militar e que foram anos difíceis”, disse Di Si, em evento no qual foi divulgado o resultado da investigação interna que apurou a relação da empresa com a ditadura.
O relatório com as conclusões do historiador Christopher Kooper, contratado pela matriz da Volkswagen na Alemanha, foi produzido após instauração de inquérito civil pelo Ministério Público Federal para apurar a responsabilidade da montadora em “graves violações de direitos humanos”. A investigação foi iniciada após representação assinada pelas centrais sindicais brasileiras, sindicatos e ex-trabalhadores da empresa, em setembro de 2015. O pedido foi feito com base nas conclusões da Comissão Nacional da Verdade, que apontam a colaboração da empresa com a repressão, além de discriminar trabalhadores com atuação sindical.
Entre as condutas da empresa investigadas estavam, por exemplo, permitir a prisão de funcionários no interior de suas unidades; perseguir trabalhadores por atuação política e sindical, criando “listas negras” para impedir contratação desses profissionais; produzir informações para encaminhamento aos órgãos de repressão; colaborar financeiramente com o regime e permitir práticas de tortura na sede da montadora.
O promotor explicou que as ocorrências – na fazenda e nas fábricas – são distintas, no entanto, avalia que isso só ressalta a necessidade de que a empresa reafirme a sua responsabilidade com o país. “Na fábrica, ocorreram graves violações de direitos humanos durante a ditadura com trabalhadores sendo entregues aos serviços de repressão e tortura do estado. Numa fazenda, que é independente da fábrica, distante milhares de quilômetros também ocorreram graves violações de direitos humanos, escravizando trabalhadores.”
“Apesar dos fatos serem da mesma época, eles são distintos, eles não se confundem, mas eles fazem com que nós cheguemos à conclusão de que a empresa precisa reassumir a sua responsabilidade com o país. Não é possível uma mesma empresa perpetrar tantas violações de direitos humanos num mesmo território”, finalizou.
De acordo com padre Rezende, o historiador Kopper reconheceu que havia trabalhadores submetidos ao sistema de servidão por dívida e que, se houvesse problemas quanto ao pagamento de salário e tentativa de fuga, eles seriam capturados e punidos. Kopper sabia que a empresa era acusada de utilizar-se de escravização de homens, mas, apesar dos fatos sobre os quais ele discorreu com detalhes, divergia quanto à categoria empregada pelos denunciantes. Para o historiador, escravidão era uma “metáfora”, um exagero. As pessoas não eram escravizadas pois não eram “mercadorias”.
“Segundo o historiador alemão, houve na fazenda gravíssimos problemas de não pagamento, de pessoas armadas e que houve servidão por dívida e disse que era exagero falar em trabalho escravo. Eu não sei exatamente o que é trabalho escravo para o historiador alemão, mas para nós [pela lei brasileira] servidão por dívida é escravidão”, disse Rezende.
“Pelo artigo 149 do código penal brasileiro hoje, bastava muito menos do que a Volks fez para ser considerado trabalho análogo a de escravo. Porque a lei brasileira não exige que tenha privação de liberdade ou violência para ser caracterizado crime. E, no caso da Volks, houve privação de liberdade, houve ameaça, houve espancamento e possivelmente houvesse assassinato”, acrescentou.
A Volkswagen do Brasil disse, em nota, que “o Ministério Público Federal do Trabalho iniciou um processo administrativo contra a Volkswagen do Brasil, em 2019, e notificou a empresa apenas três anos após o início das investigações. A Volkswagen do Brasil rejeita todas as alegações apresentadas nos registros da presente investigação sobre a Fazenda Vale do Rio Cristalino e não concorda com as declarações unilaterais dos fatos apresentados por terceiros.”
“A empresa reforça o compromisso com a responsabilidade social, continua comprometida com os valores éticos e continuará participando e contribuindo para as adequadas condições de trabalho dos seus empregados, bem como para a evolução positiva da sociedade”, finaliza a empresa.
Fonte: EBC GERAL


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Prefeitura de SP constrói muro na Cracolândia para isolar área de usuários de drogas
A Prefeitura de São Paulo ergueu um muro na Cracolândia, localizada no Centro da cidade, com cerca de 40 metros de extensão e 2,5 metros de altura, delimitando a área onde usuários de drogas se concentram. A estrutura foi construída na Rua General Couto Magalhães, próxima à Estação da Luz, complementada por gradis que cercam o entorno, formando um perímetro delimitado na Rua dos Protestantes, que se estende até a Rua dos Gusmões.
Segundo a administração municipal, o objetivo é garantir mais segurança às equipes de saúde e assistência social, melhorar o trânsito de veículos na região e aprimorar o atendimento aos usuários. Dados da Prefeitura indicam que, entre janeiro e dezembro de 2024, houve uma redução média de 73,14% no número de pessoas na área.
Críticas e denúncias
No entanto, a medida enfrenta críticas. Roberta Costa, representante do coletivo Craco Resiste, classifica a iniciativa como uma tentativa de “esconder” a Cracolândia dos olhos da cidade, comparando o local a um “campo de concentração”. Ela aponta que o muro limita a mobilidade dos usuários e dificulta a atuação de movimentos sociais que tentam oferecer apoio.
“O muro não só encarcerou os usuários, mas também impediu iniciativas humanitárias. No Natal, por exemplo, fomos barrados ao tentar distribuir alimentos e arte”, afirma Roberta.
A ativista também denuncia a revista compulsória para entrada no espaço e relata o uso de spray de pimenta por agentes de segurança para manter as pessoas dentro do perímetro.
Impacto na cidade
Embora a concentração de pessoas na Cracolândia tenha diminuído, o número total de dependentes químicos não foi reduzido, como destaca Quirino Cordeiro, diretor do Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas. Ele afirma que, em outras regiões, como a Avenida Jornalista Roberto Marinho (Zona Sul) e a Rua Doutor Avelino Chaves (Zona Oeste), surgiram novas aglomerações.
Custos e processo de construção
O muro foi construído pela empresa Kagimasua Construções Ltda., contratada após processo licitatório em fevereiro de 2024. A obra teve custo total de R$ 95 mil, incluindo demolição de estruturas existentes, remoção de entulho e construção da nova estrutura. A Prefeitura argumenta que o contrato seguiu todas as normas legais.
Notas da Prefeitura
Em nota, a administração municipal justificou a construção do muro como substituição de um antigo tapume, visando à segurança de moradores, trabalhadores e transeuntes. Além disso, ressaltou os esforços para oferecer encaminhamentos e atendimentos sociais na área.
A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) reforçou que a Guarda Civil Metropolitana (GCM) atua na área com patrulhamento preventivo e apoio às equipes de saúde e assistência, investigando denúncias de condutas inadequadas.
A questão da Cracolândia permanece um desafio histórico para São Paulo, com soluções que, muitas vezes, dividem opiniões entre autoridades, moradores e ativistas.
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