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ARTIGO: Saúde Mental em Mato Grosso: Um Novo Olhar
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Após a pandemia, falar sobre saúde mental deixou de ser tão estigmatizante, mas apenas “falar” não é suficiente. É preciso reconhecer e encarar nossas limitações sobre as causas do sofrimento mental.
A maneira tradicional de olhar para a saúde mental em Mato Grosso não atende à real necessidade da população. Há urgência em equilibrar os novos olhares e as novas direções a serem propostas.
Este equilíbrio requer reconhecer que a estrutura de cuidados e assistência deve ultrapassar modelos, normas e regras anteriores, a fim de alcançar um modelo de atenção que considere todas as transformações que compõem o adoecimento mental.
O cuidado agora é enxergado pela ótica integrativa, holística e humanística, na tentativa de quebrar paradigmas e produzir efeitos positivos, para que as pessoas possam viver com o adoecimento de forma mais saudável. A Política de Saúde Mental deve assistir conforme as mudanças contemporâneas, conforme novas vulnerabilidades e riscos de cada geração e cada tempo.
Ainda que tenhamos uma reordenação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e Rede de Atenção à Saúde (RAS), políticas públicas que incluam todas as faixas etárias e os benefícios da telemedicina, é preciso rever a força de trabalho presente no Sistema Único de Saúde (SUS), que não representa uma retaguarda eficaz para um trabalho em rede.
Em Mato Grosso, um dos temas trabalhados pela Planificação da Atenção à Saúde é a reorganização da linha de cuidado de saúde mental, especialmente na Atenção Primária em Saúde (APS). A proposta é criar uma organização de serviços e da Rede de Atenção, considerando a Saúde Mental no território, em 4 etapas: 1) Organização da linha de cuidado em Saúde Mental na APS; 2) Território e gestão de base populacional em Saúde Mental; 3) Acesso à Rede de Atenção Psicossocial pela APS; e 4) Gestão do Cuidado em Saúde Mental.
Essa proposta busca colocar em funcionamento os dispositivos da Política de Humanização, desde as mudanças políticas que culminaram na desinstitucionalização e expansão dos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) e integração dos serviços.
Além disso, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde Mental deve contemplar todos os grupos etários, especialmente crianças e adolescentes, que estão envolvidos em um mundo de hiperinformação e novas formas de adoecimento. É indispensável falar de prevenção, diagnósticos precoces, oitivas qualificadas e mudanças de perspectivas culturais em relação ao sofrimento psicoemocional e suicídio.
A telemedicina aplicada ao contexto da saúde mental também pode ser uma forte aliada na mudança de paradigmas antigos e tradicionais de cuidado, conectando profissionais e pacientes de forma ágil.
No entanto, é preciso investir na qualificação dos profissionais de saúde, para que eles possam conhecer e reconhecer os casos no território, agir antes dos riscos e vulnerabilidades existentes, com instrumentos factíveis e simplificados.
Dessa forma, a Política de Saúde Mental deve estar presente na Rede e estrutura social do início ao fim da vida, de forma preventiva e com ações contínuas, para tentar mitigar as vulnerabilidades e fatores de risco, fortalecendo estruturas de proteção individual e comunitárias.
O cuidado em saúde mental conta com um forte amparo no cuidado familiar e de vínculos de afeto, sendo estes, parte desta rede interna de cuidadores invisíveis de pessoas com transtornos mentais e sofrimento. Configura-se um desafio para a RAPS, RAS e estruturas sociais, lidar com o número de pessoas que adoecem e necessitam de assistência, com olhar presente, ativo, apontando condições plausíveis de mudanças e soluções conforme competências estruturais.
Diante desse cenário, proponho a reflexão que a Saúde Mental em Mato Grosso precisa ter um “novo olhar”, estar alinhada com as transformações atuais, contemplando todos os grupos etários e fortalecendo a estrutura de cuidados, com profissionais qualificados e ações preventivas e contínuas, para diminuir as vulnerabilidades e fatores de risco da população.
Por fim, reforço o compromisso do Tribunal de Contas de Mato Grosso em auxiliar e induzir a promoção do cuidado integral em Saúde Mental no Estado de Mato Grosso, e convido a todos para participarem do Encontro: “Saúde Mental – Novo Olhar para Mato Grosso”, no dia 19 de setembro de 2024, na Escola Superior de Contas do TCE/MT.
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Efeito Cotribá: decisão inédita ameaça ou protege o agronegócio em Mato Grosso?
A decisão inédita que concedeu à cooperativa gaúcha Cotribá uma proteção judicial semelhante à recuperação judicial (RJ), mesmo sem previsão legal expressa, tornou-se um dos episódios mais controversos do direito empresarial recente. E seus efeitos podem ir muito além das fronteiras do Rio Grande do Sul.
Em estados com forte presença do agronegócio, como Mato Grosso, o episódio acende um alerta: se um tribunal abriu a porteira para uma solução jurídica inédita, outros estados podem sentir-se estimulados a testar caminhos semelhantes.
Mato Grosso abriga algumas das maiores cooperativas, tradings e empresas do país. Seu ciclo econômico depende intensamente de crédito rural, armazenagem complexa, logística cara e cadeias produtivas altamente interligadas. Nesse ambiente, decisões que flexibilizam mecanismos de proteção financeira são observadas de perto, e podem rapidamente se transformar em estratégia.
Segundo levantamento da Serasa Experian, a inadimplência no agronegócio alcançou 8,1% no terceiro trimestre de 2025, o maior índice desde o início da série histórica, em 2022. Em muitos casos, as dívidas já ultrapassam 180 dias de atraso. O cenário reforça o estresse financeiro vivido pelo setor e ajuda a explicar por que precedentes como o da Cotribá repercutem tão fortemente no país.
Para justificar sua decisão, em novembro de 2025, o juiz Eduardo Sávio Busanello argumentou que a Cotribá, embora juridicamente distinta de uma empresa, opera com porte, faturamento e estrutura equivalentes às grandes corporações do agro e que, portanto, mereceria acesso a instrumentos típicos da atividade empresarial. A tutela concedida suspendeu execuções, bloqueios e cobranças por 60 dias, dando fôlego ao caixa e permitindo que a cooperativa reorganizasse suas dívidas bilionárias.
O magistrado acolheu essa tese e, afastando o formalismo da lei, aplicou por analogia os mecanismos da recuperação judicial, invocando princípios como a preservação da empresa e a função social da atividade econômica — aqueles que, na prática, parecem servir tanto para justificar decisões inovadoras quanto para críticas por suposta elasticidade interpretativa.
Se, por um lado, a medida foi celebrada como forma de evitar um colapso que poderia arrastar produtores, funcionários e fornecedores, por outro, reacendeu o debate sobre ativismo judicial, insegurança jurídica e incentivos potencialmente perversos. Afinal, cooperativas sempre estiveram fora do alcance da RJ por determinação legal, e flexibilizar essa barreira pode gerar efeitos inesperados em outros estados.
Em um contexto de seca, quebras de safra e oscilações violentas de preços, fenômenos frequentes no Centro-Oeste, o Judiciário pode ser acionado tanto como instrumento de sobrevivência quanto como ferramenta estratégica de renegociação. Para Mato Grosso, isso pode representar, simultaneamente, uma rede de proteção em momentos críticos e uma nova camada de incerteza no já complexo ambiente de crédito do agronegócio.
O “Efeito Cotribá” não é apenas um debate jurídico: é um sinal de que o mapa de riscos do agronegócio está mudando. Se decisões semelhantes começarem a se replicar, Mato Grosso pode se tornar palco dos próximos capítulos dessa história, seja como protagonista de soluções emergenciais, seja como vítima da insegurança que precedentes ousados podem gerar.
No fim, o caminho dependerá de como o Judiciário brasileiro lidará com esse novo “campo minado”: criativo o suficiente para oferecer soluções inéditas, mas perigoso demais para ser pisado sem cautela.
Felipe Iglesias é advogado e especialista em Direito Empresarial, à frente do Iglesias Advogados, referência no Mato Grosso em recuperação litigiosa de créditos em recuperação judicial