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A alma de uma escola

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POR MÁRCIA AMORIM PEDR’ANGELO

Num tempo em que a educação parece pressionada por metas, índices e resultados imediatos, é preciso reafirmar um princípio simples e profundo: toda escola pode – e deve – ter alma. Digo isso não como uma metáfora, mas como uma convicção que nasce da experiência. A alma de uma escola está em sua cultura viva, na escuta ativa, na liderança ética e no olhar atento aos alunos como seres humanos em formação integral.

Ao longo de décadas à frente de escolas, pude ver que as instituições educacionais que realmente transformam vidas não são apenas aquelas com bons currículos ou estrutura moderna. São, acima de tudo, aquelas que conseguem equilibrar a busca por excelência com práticas cotidianas de cuidado, acolhimento e sentido.

A liderança escolar precisa ir além da técnica. Liderar uma escola é, muitas vezes, liderar no escuro – com a lanterna da ética. É tomar decisões difíceis com base em valores, não apenas em planilhas. É manter-se firme diante de pressões externas sem perder de vista o que realmente importa: o desenvolvimento integral do aluno e o fortalecimento da equipe.

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Por isso, quando se fala em “gestão humanizada”, não se trata de um jargão moderno. Trata-se de reconhecer que nenhuma aprendizagem floresce em um ambiente desumanizado. Uma cultura escolar forte se constrói no detalhe: na forma como se lida com conflitos, na escuta aos professores, na confiança construída com as famílias, no exemplo silencioso que parte da direção.

A escola do presente precisa compreender os alunos de agora — jovens hiperconectados, sensíveis, questionadores e, muitas vezes, inseguros diante de um mundo incerto. Isso exige escuta, flexibilidade, coerência e, acima de tudo, propósito. É tempo de ensinar com o coração, sem abrir mão da firmeza. De formar para a vida, não apenas para provas e exames futuros.

Aos pais, deixo um apelo: olhem para a escola como parceira, não como prestadora de serviço. E confiem no processo. A educação verdadeira é lenta, silenciosa e cheia de recomeços. Mas é também a única capaz de preparar nossos filhos para serem humanos completos — não apenas profissionais de sucesso.

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Sim, toda escola pode ter alma. E toda liderança educacional pode ser agente dessa transformação. Basta decidir, todos os dias, colocar a humanidade no centro.

*MÁRCIA AMORIM PEDR’ANGELO é pedagoga, fundadora das escolas Toque de Mãe e Unicus, e coordenadora da Unesco para a Educação em MT e MS.

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Vocação: o chamado que resiste ao mundo

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Por Orlando Morais Jr

Vivemos dias em que as fundações do mundo parecem abaladas. A linguagem já não expressa o real, mas o disfarça. A verdade tornou-se objeto de disputa entre ideologias. A religião, antes farol que iluminava os povos, hoje se vê envolta em escândalos, tibieza e corrupção doutrinal.

O Brasil, ferido por um analfabetismo funcional que corrói o juízo, vê seus governantes entregues ao deboche das leis e à servidão ideológica de agendas estrangeiras. E o mundo, desorientado e exausto, dobra os joelhos não diante de Deus, mas de instituições que usurpam o nome da humanidade para impor sua tirania disfarçada de consenso.

É precisamente neste cenário — e por causa dele — que urge proclamar com clareza o que verdadeiramente significa vocação.

A vocação não é um capricho da vontade, nem o fruto de aptidões naturais. Ela não se reduz a profissão, nem a projeto de vida. A vocação é, em sua essência, um chamado do alto — um sopro que vem de Deus, uma convocação secreta e profunda que toca a alma e a impele a ocupar o lugar que lhe é devido na grande ordem do cosmos.

Cada ser humano nasce com uma configuração única. Sua estrutura íntima, sua sensibilidade, suas potências, seus dons — tudo aponta para uma forma particular de serviço. Descobrir a vocação é, pois, reconhecer esta forma e obedecer-lhe. É encontrar o próprio nome inscrito na vontade divina e dizer “sim”.

Em um tempo de dissolução como o nosso — onde tudo é fragmentado, líquido, transitório — a vocação se apresenta como um eixo silencioso e invencível. Quem lhe responde torna-se resistência espiritual contra a mentira universal. Enquanto o mundo opera pela lógica da dissolução — dissolução da linguagem, da identidade, da verdade —, o vocacionado testemunha, com a própria vida, que há uma ordem, um princípio, um destino e um bem.

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Ao mesmo tempo, essa resposta confere ao homem uma reintegração interior: ele já não vive ao sabor das forças dispersivas que o cercam, mas adquire um centro. Sua alma torna-se coesa, sua inteligência, lúcida, e sua presença, pacificadora.

A vocação não o isola do mundo, mas o planta profundamente nele, como presença restauradora. Onde passa, ele reata os vínculos rompidos pela desordem, faz florescer o sentido onde tudo parecia deserto, reacende símbolos apagados, reconduz realidades à sua forma natural. Tal homem, ainda que desconhecido aos olhos da multidão, opera uma reforma invisível e silenciosa. E tudo o que toca — palavras, gestos, obras — carrega o sinal do bem. Pois aquele que vive sua vocação não apenas realiza-se: ele cura.

A história de Santo Ambrósio é, neste sentido, luminosa. Cônsul e administrador romano, homem de cultura e temperança, ele ainda era catecúmeno quando foi chamado a apaziguar um conflito entre cristãos em Milão. Sua fala firme e justa encantou o povo. Subitamente, como por inspiração do alto, a multidão começou a clamar: “Ambrósio, bispo!”

Ele resistiu. Tentou ocultar-se. Implorou que não o escolhessem. Mas a vontade do povo, unida ao desígnio de Deus, o constrangeu. Foi batizado, ordenado e consagrado em poucos dias. E transformou-se num dos maiores doutores da Igreja, mestre de Santo Agostinho e defensor intrépido da fé contra imperadores e heresias.

Essa história ensina uma verdade esquecida: a vocação não é uma escolha pessoal, mas uma resposta amorosa à verdade de si mesmo, que nem sempre se enxerga de imediato. Muitas vezes, o chamado se apresenta revestido de temor, desconforto ou combate interior — mas é precisamente nesse desconcerto inicial que repousa o selo da autenticidade. Pois o que é dado por Deus não visa agradar à carne, mas purificar a alma.

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A vocação, quando assumida, torna-se também um gesto de amor concreto. Ela é doação de si, oblatividade silenciosa, sacrifício voluntário. O vocacionado não busca os favores do mundo, nem se inquieta com sua própria realização — pois compreendeu que a verdadeira alegria está em servir ao bem que o excede. Tal homem, mesmo quando calado, ensina. Mesmo quando combatido, edifica. Mesmo quando ferido, fecunda.

Em tempos como os nossos, em que tudo se desfaz e se inverte, viver a própria vocação é um ato de fidelidade à estrutura invisível do real. É manter-se vinculado a um centro que não gira com o mundo. É tornar-se, no silêncio dos dias, sinal de uma ordem que ainda pulsa sob o caos.

A vocação não livra o homem do sofrimento, mas o insere no sofrimento redentor. Não o poupa da luta, mas dá à luta um sentido. Não o arranca do mundo, mas o planta no mundo como testemunha de outra realidade — uma realidade que não passa, porque está fundada em Deus.

E talvez ressoe aqui o que Friedrich Schelling viu com espantosa clarividência: que a história do mundo é, em sua essência, o processo pelo qual o Absoluto se revela, e que cada homem, ao responder à sua vocação mais alta, torna-se lugar da Revelação. Pois é no interior das almas que Deus deseja manifestar-Se plenamente. A vocação, portanto, não é apenas caminho de plenitude pessoal: é participação consciente no desvelamento do próprio Ser.

Responder ao chamado é, então, mais do que obedecer a uma inclinação: é permitir que a luz eterna encontre forma no tempo — e que, por meio de nós, o invisível se torne visível, e o eterno, presença viva no mundo.

ORLANDO MORAIS JR é jornalista e filósofo.

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