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Eleições 2024: alguns conselhos para os eleitores e candidatos
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Chegamos em mais um ano eleitoral. Em 2024 iremos às urnas para eleger prefeito e vice-prefeito e também os vereadores. O que esperar das campanhas deste ano? Diferente do que a maioria dos políticos acreditam, eu penso que esse ano será de pisar o pé no chão mesmo, ir aos bairros, apertar as mãos das pessoas.
As redes sociais são importantes, são sim, mas pelo que tenho observado, as pessoas também estão um pouco cansadas da frieza da tela. Vejo que pelas redes há muito discurso, os políticos falam e falam, e tiram fotos, e “mostram” a atuação, mas o povo tem sentido falta do tête-à-tête. Eu escuto os presidentes dos bairros, os moradores, questionando: mas o candidato vai vir aqui? Vai conversar com a gente aqui?
As pessoas estão cobrando essa presença. Eu entendo que, mesmo que tenha as redes sociais, esse ano o político terá que investir no público que quer ver o candidato pessoalmente, olho no olho, com aperto de mão, espaço de escuta, ouvindo do candidato a sua apresentação. O povo se identifica com aquele que conhece e tem mais segurança até na questão de escolher o voto. Não é preciso mentir e nem fazer de conta, mas sim estar presente e disposto a estar ali, porque isso cultiva eleitores.
Também acho importante mostrar ao público quais foram os projetos executados de fato, o que foi feito no período político, enfim, uma prestação de contas mesmo. Ah, importante ainda observar se as propostas foram cumpridas. O que acontece é que muito político cria um monte de leis que ficam perdidas, porque não basta propor, tem que continuar brigando duramente para que essa lei seja efetivamente cumprida. Esse ponto deve fazer parte da nossa análise de voto.
Um exemplo que tenho observado é a pauta sobre a mulher. Vejo que essa pauta já virou um produto na política, todo mundo está em defesa da mulher. De certo modo, isso é preocupante, porque precisamos de coisas concretas, de soluções, e não só dizer que a mulher precisa de algo. Um belo exemplo de aplicabilidade é a Lei 14.786, de 28 de dezembro de 2023, que institui o Protocolo “Não é Não” de proteção à mulher em bares e shows.
Outro conselho que dou para os candidatos é: não invistam em discursos que você acha que é bonito ou que você pensa ser o que as pessoas querem ouvir, isso pode soar vazio. Uma estratégia pode ser começar reuniões perguntando para os eleitores o que eles precisam, o que querem. O dia que um político entender que vai ter mais êxito com a população se ouvir mais e falar menos, ele muda a estratégia.
Hoje o que vejo são políticos falando muito e quase não ouvindo. Eu, particularmente, nunca vi um político abrir uma reunião, seja pequena, comunitária, seja na casa de alguém, perguntando como é que está o bairro, como pode ajudar e o que precisam. Eu nunca vi um político com o assessor do lado anotando o que as pessoas estão falando sobre as necessidades comuns a comunidade.
Mas pensem comigo, se ele ouvir as necessidades do bairro, é óbvio que ele não vai atender todas, mas se ele ouvir e tiver isso mapeado, como político ele pode fazer um planejamento. Em determinado bairro vamos resolver esse problema que é o mais difícil, em outro vamos cuidar de outro tipo de problema, e assim vai. Se ele conseguir resolver uma questão em cada bairro, imagina o eleitorado que terá?
Sei que não é fácil administrar uma cidade, mas se o político eleger alguns bairros, onde é mais votado, por exemplo, e ouvir essas necessidades e atender pelo menos uma durante a sua gestão, uma necessidade significativa na região, ele consegue a fidelização desse bairro. Atuar politicamente na verdade, menos politicagem e mais política. E fazer política não é ficar falando ou aparecendo, e sim mais pé no chão, com propostas mais simples, que sejam viáveis e que atendam a necessidade de quem precisa.
Não posso deixar de falar dos partidos, entidades vazias, que existem hoje só por questão financeira. Os partidos são compostos de acordos e conchavos. Na verdade, eu penso que o candidato precisa, por mais que deva estar filiado a um partido, construir a sua própria história por conta das suas ações. E se o partido não concordar é sair do partido, afinal partido não é emprego, política não é emprego.
É importante estar de acordo com nossos valores e crenças, dentro do que pode ser feito pela população, senão você segue o que o partido quer e esquece o mais importante, que é trabalhar para melhorar a vida do povo. Então, quem quer ser candidato tem que ter sabedoria nas suas estratégias de movimentação. Muitas vezes a pessoa usou a vida inteira um discurso X, tenha muito cuidado com isso, porque a população está de olho na congruência entre discurso e atitudes.
Por exemplo, para mim não tem lógica uma mulher que defende a causa da mulher se aliar a uma pessoa que viola essa questão. Então, o eleitor acaba vendo que a candidata está ali só por conta do que é interessante para o partido, para o financeiro, o que acaba por comprometer todo o seu discurso, o que é um perigo.
Aliás, nesta época do ano recebo muitas mensagens de candidatos querendo melhorar o discurso. Sinceramente, é possível melhorar o discurso desde que ele seja real. É preciso falar menos e comunicar mais. O coração das pessoas sente quando se fala com honestidade e sinceridade. Não é preciso ficar falando um monte de abobrinha, com discursos longos e vazios que não possuem nenhum projeto por trás.
De coração, eu desejo que neste ano haja uma sincronia maior entre discursos e promessas, e que tenhamos explanações reais. Exemplo: penso em melhorar a saúde, como? Onde? Tal bairro melhora o esgoto e no outro o posto de saúde. Enfim, que tenhamos mais verdade (ou seria ética?) na política, parte ainda tão desacreditada da sociedade.
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Efeito Cotribá: decisão inédita ameaça ou protege o agronegócio em Mato Grosso?
A decisão inédita que concedeu à cooperativa gaúcha Cotribá uma proteção judicial semelhante à recuperação judicial (RJ), mesmo sem previsão legal expressa, tornou-se um dos episódios mais controversos do direito empresarial recente. E seus efeitos podem ir muito além das fronteiras do Rio Grande do Sul.
Em estados com forte presença do agronegócio, como Mato Grosso, o episódio acende um alerta: se um tribunal abriu a porteira para uma solução jurídica inédita, outros estados podem sentir-se estimulados a testar caminhos semelhantes.
Mato Grosso abriga algumas das maiores cooperativas, tradings e empresas do país. Seu ciclo econômico depende intensamente de crédito rural, armazenagem complexa, logística cara e cadeias produtivas altamente interligadas. Nesse ambiente, decisões que flexibilizam mecanismos de proteção financeira são observadas de perto, e podem rapidamente se transformar em estratégia.
Segundo levantamento da Serasa Experian, a inadimplência no agronegócio alcançou 8,1% no terceiro trimestre de 2025, o maior índice desde o início da série histórica, em 2022. Em muitos casos, as dívidas já ultrapassam 180 dias de atraso. O cenário reforça o estresse financeiro vivido pelo setor e ajuda a explicar por que precedentes como o da Cotribá repercutem tão fortemente no país.
Para justificar sua decisão, em novembro de 2025, o juiz Eduardo Sávio Busanello argumentou que a Cotribá, embora juridicamente distinta de uma empresa, opera com porte, faturamento e estrutura equivalentes às grandes corporações do agro e que, portanto, mereceria acesso a instrumentos típicos da atividade empresarial. A tutela concedida suspendeu execuções, bloqueios e cobranças por 60 dias, dando fôlego ao caixa e permitindo que a cooperativa reorganizasse suas dívidas bilionárias.
O magistrado acolheu essa tese e, afastando o formalismo da lei, aplicou por analogia os mecanismos da recuperação judicial, invocando princípios como a preservação da empresa e a função social da atividade econômica — aqueles que, na prática, parecem servir tanto para justificar decisões inovadoras quanto para críticas por suposta elasticidade interpretativa.
Se, por um lado, a medida foi celebrada como forma de evitar um colapso que poderia arrastar produtores, funcionários e fornecedores, por outro, reacendeu o debate sobre ativismo judicial, insegurança jurídica e incentivos potencialmente perversos. Afinal, cooperativas sempre estiveram fora do alcance da RJ por determinação legal, e flexibilizar essa barreira pode gerar efeitos inesperados em outros estados.
Em um contexto de seca, quebras de safra e oscilações violentas de preços, fenômenos frequentes no Centro-Oeste, o Judiciário pode ser acionado tanto como instrumento de sobrevivência quanto como ferramenta estratégica de renegociação. Para Mato Grosso, isso pode representar, simultaneamente, uma rede de proteção em momentos críticos e uma nova camada de incerteza no já complexo ambiente de crédito do agronegócio.
O “Efeito Cotribá” não é apenas um debate jurídico: é um sinal de que o mapa de riscos do agronegócio está mudando. Se decisões semelhantes começarem a se replicar, Mato Grosso pode se tornar palco dos próximos capítulos dessa história, seja como protagonista de soluções emergenciais, seja como vítima da insegurança que precedentes ousados podem gerar.
No fim, o caminho dependerá de como o Judiciário brasileiro lidará com esse novo “campo minado”: criativo o suficiente para oferecer soluções inéditas, mas perigoso demais para ser pisado sem cautela.
Felipe Iglesias é advogado e especialista em Direito Empresarial, à frente do Iglesias Advogados, referência no Mato Grosso em recuperação litigiosa de créditos em recuperação judicial